quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Desmistificando o arroto - Texto de Carlos Gonzalez



Os gases - Por Dr. González

Tanto os bebês como os adultos podem ter gases no estômago ou no
intestino (sobretudo no intestino grosso). Mas são duas questões
completamente diferentes.

O gás encontrado no estômago é ar, ar normal e corrente que o
indivíduo engoliu (é o que os médicos chamam aerofagia, engolir ar).
Os bebês podem engolir ar ao se alimentar, ou ao chorar, também quando
chupam dedo ou chupeta.

O gás que está no intestino é diferente, basta cheirá-lo para
perceber. Contém nitrogênio do ar deglutido (o oxigênio foi absorvido
pelo tubo digestivo) e gases que são produzidos no próprio intestino
pela digestão de certos alimentos e que dão seu odor característico.

Quando um bebê engole muito ar, seria possível que soltasse muito
“pum”, porém é mais fácil que o excesso saia por cima, com arrotos. Um
excesso de gases no intestino é mais provável que seja proveniente da
digestão que do ar deglutido. Quando o bebê não mama corretamente,
porque está com a pega errada ou tem outra dificuldade, é possível que
tome muita lactose e pouca gordura e a sobrecarga de lactose pode
produzir um excesso de gases. Além disso, por estar com a pega errada,
é provável que engula ar enquanto mama. Mas nem a pega incorreta é a
principal causa dos gases, nem os gases são o principal sintoma da
pega incorreta.

Os gases em excesso no intestino só podem ser eliminados sob a forma
de “pum” . Por sorte, não podem fazer o caminho inverso e sair pela
boca.

É mais fácil eliminar o ar do estômago (quer dizer, arrotar) em
posição vertical que em posição horizontal. Como nossos antepassados
estavam sempre no colo de suas mães, em posição mais ou menos
vertical, não deviam ter muito problema. No século passado o uso das
mamadeiras e dos berços ficou generalizado. Com a mamadeira, o bebê
pode engolir muito ar, e no berço é difícil soltá-lo; por isso parecia
importante colocar o bebê para arrotar antes de colocá-lo no berço.

Contudo, não parece que os gases incomodam os bebês, salvo em casos
extremos. Muita gente pensa que a principal causa do choro em bebês
pequenos seja os gases; e muitos dos medicamentos que ao longo do
tempo se tem recomendado para a cólica do lactente se supunha que
ajudavam a expulsá-los (esse é o significado da palavra carminativo),
ou para evitar a formação de bolhas (nunca entendi o porquê, mas sim,
algumas gotas para cólicas são antiespumantes).

Nem todos estão de acordo com a causa das cólicas (mais adiante
explicarei minha teoria favorita), mas parece que não restam mais
defensores sérios da teoria dos gases. Há muitos anos, quando não se
sabia que o excesso de raio x era maléfico e se faziam radiografias
por qualquer bobagem, alguém teve a idéia de fazer radiografias dos
bebês que choravam (o gás é visto perfeitamente como uma grande mancha
negra na radiografia). Comprovou-se que os bebês têm poucos gases
quando começam a chorar, porém muitos gases quando levam um tempo
chorando. O que ocorre é que engolem ar ao chorar, e como não podem
chorar e arrotar ao mesmo tempo, vão acumulando gases até que param de
chorar. A mãe costuma explicar assim: “Pobrezinho, estava chorando
muito porque estava cheio de gases. Peguei, dei uns tapinhas, ele,
conseguiu arrotar e melhorou”. Na realidade, a interpretação correta
seria: “Pobrezinho, chorava porque estava com saudade de mim. Quando
peguei ele no colo e fiz carinho, ele se tranquilizou e deu um arroto
enorme com todo o ar que tinha engolido enquanto chorava”.

Acho que isso explica a importância do arroto no século passado.
Quando a mãe tentava colocar o bebê no berço logo após acabar de
mamar, o bebê chorava desesperado. Em vez disso, se ficasse com ele no
colo e o embalasse um pouco antes de colocá-lo no berço, era mais
fácil que o bebê se traquilizasse e dormisse. Durante esse tempo que
estava nos braços, claro, o bebê arrotava. E como ninguém queria
reconhecer que o colo da mãe era bom para o bebê (como vai ser bom? O
colo da mãe é mau, estraga, o bebê não tem que ficar no colo, ou
ficará manhoso!), preferiram pensar que era o arroto, e não a presença
da mãe, que havia feito o milagre.

A verdade é que muitas mães modernas têm a ideia de que o arroto é
importantíssimo, fundamental para a saúde e bem estar do seu filho.
Tem que arrotar custe o que custar. Mas os bebês amamentados, se
mamaram corretamente, não engolem quase nada de ar (os lábios se
fecham hermeticamente sobre o peito, razão pelo qual o ar não entra; e
dentro do peito não tem ar, ao contrário da mamadeira). Muitas vezes,
os bebês de peito não arrotam depois de mamar. Por outro lado, quando
estão com a pega errada, é possível que engulam ar, fazendo um barulho
como de beijinhos, porque fica uma frestinha entre os lábios e o
peito.

Uma vez uma mãe me explicou que seu filho custa a arrotar, que tem de
ficar uma hora dando tapinhas nas costas, que ele chora, inclusive,de
tão mal que fica, até que por fim pode eliminar os gases. Pobre
criatura, o que acontece é que não tem gases para eliminar; chora de
tantos tapinhas e voltas que dão com ele, e ao final elimina o ar que
engoliu enquanto chorava.

Não fique obsessiva com o arroto. Depois de mamar, é uma boa ideia
deixar o bebê por um tempo no colo. Isso ele vai gostar. Se nesse
tempo eliminar os gases, está bem. E se não, pode ser que não tenha
gases. Não lhe dê tapinhas nas costas, não lhe dê camomila, nem
erva-doce, nem água, nem nenhum remédio para gases (nem natural nem
artificial, nem alopático nem fitoterápico, nem comprado, nem o que
tenha em casa).

Do livro Um regalo para toda la vida- Guía de la lactancia materna, de
Carlos González



Tradução: Fernanda Mainier
Revisão: Luciana Freitas

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