quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Texto - A impostora

Recebi em um e-mail e gostei tanto desse texto que decidi divulgar aqui, sobre como mudamos na gravidez e no parto. Não fui eu quem escrevi, estou apenas compartilhando

"Hoje completo 37 semanas. Começo a sentir uma certa melancolia, algo que
não chega a ser tristeza, mas uma espécie de blues. Uma vontade constante de
chorar, muito cinza no céu aqui deste quase pântano. Mas nem vou culpar o
clima, não é isso e eu sei o que é. Sei que é uma despedida, sei que vou,
como toda mulher, morrer no parto para deixar nascer outra nova. E sei que
para algumas mulheres essa iniciação morte-vida é muito mais dolorosa, e me
enquadro neste tipo.

Quando criança, nunca gostei de bonecas, nem sequer as tirava das caixas. Eu
preferia fazer bolo de barro, brincar de panelinha, pôr sal em lesma,
cutucar ninhos de morcegos, colecionar folhas e casas de caramujos. Talvez
por ter pouca identidade com a mãe e muita com o pai, sempre me identifiquei
mais com o arquétipo da caçadora, da hetaira, da amazona, nunca com o de
mãe. Até quando eu quis engravidar não foi por um desejo explícito por
admirar criancinhas e ficar babando em lojas de roupas infantis, foi mais um
desejo primitivo, sexual e intenso, uma reação normal e instintiva numa
mulher de 30 que ainda não procriou...mas não foi um desejo psicológico.

Por isso eu acho incrível mulheres como a XXXXXX, que literalmente babam por
bebês que não são delas. Acho que quando a XXXXXX ficar grávida, vai ser
mais fácil para ela essa passagem pela qual estou passando. Eu tenho muitos
sobrinhos e nunca sequer troquei uma fralda, nunca dei um banho, nunca me
interessei por crianças. É claro que desde que engravidei, tenho me
encantado com bebês, tenho sonhado com meu bebezinho e tenho muito amor por
ele, mesmo antes de conhecê-lo. E não tenho dúvidas de que serei uma boa
mãe, não é isso. Serei a melhor mãe do mundo. Apenas estou sentindo a
dor, amelancolia de morrer.

A amazona de um peito só vai ter que morrer para nascer a mãe que amamenta.
Já estou me sentindo definhar pouco a pouco num processo docemente doloroso,
um processo que consome quilos de chocolate, lágrimas no travesseiro,
olhares perdidos num céu de cinza. Quem será a impostora que virá quando eu
finalmente morrer no ritual do parto? Será que ela vai querer pintar a minha
casa de verde? Será que ela vai dar conta de terminar os livros que eu
comecei a escrever? Será que ela vai conseguir seduzir meu marido? Que
cheiro terá esta impostora? Que cor de esmalte ela vai usar? Será que meus
amigos a amarão? Será que a responsabilidade do "cargo" fará com que ela não
tenha o senso de humor que eu tenho?

A impostora guardará meu filho, amará meu marido, produzirá leite, e nunca
mais, por alguns anos, viajará sozinha, não sem antes chorar. A
impostoranão abandonará o lar, não sumirá por três dias, não sentará
no parapeito da
janela com uma garrafa de vinho e a companhia de Dionísio. Usará sapatos
mais baixos, dormirá mais cedo, provavelmente passará dias sem lembrar de
batom. Não conhecerá pubs e boates, mas restaurantes com parquinho. Não terá
unhas compridas. Usará roupas práticas. E quando ela for à locadora,
visitará primeiro a seção infantil, nunca mais psicodrama, nunca mais
Fellini, nunca mais Almodóvar e trêmulas carnes, pelo menos não antes da
criança dormir. A impostora não cultivará cactos, não beberá demais, gastará
horas lendo todos os rótulos das comidas de supermercado.

E enquanto isso eu sigo definhando, tenho poucos dias. E sei que quanto mais
fraca eu estiver, mais rápido e fácil será o parto. A "batalha" do parto
será a batalha da antiga e moribunda Jussara contra a nova e poderosa
Impostora, a Mãe. Sei que ela é mais forte, sei que não adianta lutar. Por
isso vou me despedindo agora, vou tomar meu licor, usar meus perfumes e
jóias que talvez a Impostora simplesmente ignore. Vou me matar pouco a pouco
esta semana, deixar só um fio de vida, um fio fraco e tênue, fácil de ser
rompido pela Impostora, num parto rápido e eficaz, sagaz como o corte da
foice prateada da Lua."

(By Jussara)

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